quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Linha 157

De longe, a vi, e por algum motivo bobo, quis ela ao meu lado. "Vem pra cá, japonesa, senta co pai", pensei eu. Então ela dá sinal para o ônibus e em algum ponto da extensão da Rio Branco, ela sobe no veículo. Com tanto lugar vago, ela senta ao meu lado, cheirosa, linda, baixinha. E eu já começo a achar estranho demais, como se ela lesse meus pensamentos, e fico constrangido olhando pras mãos. 

Ela olha para mim de rabo de olho, e quando eu olho para ela de rabo de olho, ela vira o rosto. Uma, duas, três vezes, chega até a ficar divertido. E eu, que sou o pior do mundo para ler sinais, fico ainda mais constrangido, sentindo o cheiro do perfume dela e me segurando para não agarrá-la. Tarde da noite, e o ônibus vai à mil por hora, eu só precisava pensar em algo pra dizer antes que chegasse no meu ponto, e já estavamos chegando na São Clemente. 

Infelizmente, quando  tomo coragem e solto a primeira besteira que sai pela boca já é tarde demais.

- Moça, licença.
- Oi! - Diz ela meio sem graça.
- Você por acaso vai descer no Largo dos Leões?
- Por quê?
- Porque mulher bonita sempre desce no Largo dos Leões.

Ela ri sem graça e fica vermelha, e com os olhinhos puxados brilhando, responde.

- Sim, eu vou descer no Largo dos Leões.  
- Tá vendo só!
- Chutou bonito, hein!
- Que nada, eu tenho essa teoria há anos, haha. Como cê chama?
- Gabriela, e você?
- Lucas, prazer.

Dois beijinhos no rosto, pele tão macia e cheirosa, que eu fico até com vergonha de arranhá-la com minha barba por fazer. Sem que se perceba, já estamos no Largo dos Leões, e Gabriela se despede, se levanta e vai embora antes que eu tenha tempo e coragem pra pedir seu telefone. Ela desce do ônibus e vai andando sem olhar pra trás, e eu fico lá com cara de bocó reparando a bunda da japonesa mais gostosinha que já vi e deixei ir embora...

Se os deuses e os demônios tiverem alguma simpatia por mim, favor me fazerem esbarrar com a Gabriela mais uma vez. Amém.

sábado, 21 de setembro de 2013

Nvblado - Angústia





"O que eu mais faço da minha vida praticamente todos os dias é construir castelos feitos de nuvens dentro de mim. São lindos, são plenos. Porém são frágeis. Frágeis como o que representam. Eu já cansei de olhar pra trás e não ver mais nada. Nada. E hoje eu me arrasto numa caminhada lenta e incerta."


É.

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Meio de Transporte

No fio da navalha ou em cima do muro, no calor da batalha em um quarto escuro. Do outro lado da muralha ou no fundo do poço. Perdido entre o rabisco e o esboço. Já tripulou navio, voou de avião, caiu de bicicleta e andou de caminhão. Correu com as próprias pernas e tropeçou no chão, já andou de muletas e até em camburão. Tanto caminho de tanto jeito, e ainda assim sente que não chegou à lugar algum. Seu meio de transporte predileto ainda é a corda bamba.

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Segunda-Feira

Dorme só um pouco e já está de pé
Sai de casa cedo e sem tomar café
Ônibus lotado, engarrafamento
Um dia nublado, descontentamento

Corre contra o tempo sem tempo para si
Conta pra pagar, vontade de fugir
Todo mundo junto se sentindo só
No peito um aperto, na garganta um nó

Tem que bater cartão
Pegar elevador,
Bom dia pro patrão,
Um bom trabalhador




O nó da garganta
O nó da gravata
Vão te enforcar.

domingo, 8 de setembro de 2013

Ninfo

Dentre todas as doses que cabem dentro da idéia e todas as luzes epiléticas piscando, nunca que ele esperaria encontrar um diabo tão bonzinho naquele inferno. Música alta (e ruim), festa estranha com gente esquisita, e no auge das pernas trocadas ele tropeça nela, entediada, sóbria, e rindo da cara dele, com um sorriso meio safado e de garotinha. 


- Desculpa, moça.

- Vem cá.
- Onde?
- Vem cá, porra!


Enquanto o leva pela mão andando na frente e dançando, seu coração de pão doce se derrete, até chegar em um banco na área de fumantes.



- Cê fuma?

- Não.
- Então o que?
- Então senta aí, que cê não tá legal!
- Ih, te falar que tá é mó legal!
- An?


Muito mais pra lá do que pra cá, ele procura o maço de cigarros, faz a cara de galã mais meia boca do mundo, acende um Marlboro e com a voz sexy mais não sexy que poderia ser, fala:



- Eu fumo.

- Azar o seu!


E num puxão de Capitão Gancho mais rápido que a velocidade da luz, um beijo lento e cheio de uma sensação diferente que o coração de pão doce não está acostumado a sentir.



- Eca, beijo de cigarro!

- Eca, beijo de jacaré!
- Jacaré?
- 30 mordidas!
- Foi ruim?
- Foi ótimo.


Sorriso tão inocente, uns olhão verde cheio de vontade, e o resto da noite é história. Acorda em Laranjeiras, tendo que sair de fininho correndo o risco de acordar gente que não se tem a menor idéia de quem é, e vai sozinho tomar um café na padaria rindo da própria cara, assim como ela fez. Sem entender as coisas e sem querer entender, ele conheceu uma pessoa de verdade com uma identidade falsa. Um cigarro de bom dia, e na cabeça, um pensamento: "Essa porra é crime!"  



Um dia o coração de pão doce termina por aí cheio de formigas.