Mais um dia fazendo coisas que eu não quero fazer onde eu não quero estar. O piloto automático me trouxe aqui, em algum lugar entre sono e vigília, com a camisa amarrotada abotoada até o pescoço e o tênis desamarrado. Fome, ódio, atraso. O relógio contra mim e eu contra o mundo.
Enquanto o metrô não chega eu cogito me jogar nos trilhos esperando as rodas de ferro esmagarem minha caveira. Todo dia o mesmo impulso, de as pernas quase tomarem vida própria e me fazerem pular.
Ao mesmo tempo que desejo, penso se minha mãe iria chorar e na grana que faria ela gastar com enterro, penso no tanto de gente que chegaria atrasada no trabalho por minha causa, penso no cara que teria que limpar minha sujeira. Penso no dia em que não conseguirei controlar esse impulso e caia para ser eletrocutado, atropelado e dilacerado. Três mortes em uma só, para garantir que o vaso ruim se quebre de uma vez por todas.
Na minha cabeça grita uma voz dizendo que eu posso morrer do jeito que quiser. Talvez o único poder que a gente tenha sobre a própria vida seja a escolha de como acabar com ela. O cinza mais cinza do que todos os dias, e eu só percebo que o metrô já chegou quando esbarram em mim ao entrar na composição, todo mundo com pressa com assuntos para resolver e contas para pagar, deixando para amanhã tudo que poderiam fazer hoje.
Minhas pernas não respondem, e antes que eu consiga pensar em me mexer as portas se fecham e o metrô vai embora. O buraco entre os trilhos e a plataforma fica aberto mais uma vez. Enquanto eu olho para o abismo, o abismo olha para mim. "É agora, eu vou pular", eu penso, e acendo um cigarro.
Uma velha gorda briga comigo dizendo que vai chamar o guarda, e eu volto para o planeta Terra, jogando o cigarro aceso nos trilhos sem saber onde minha cabeça foi parar, e logo chega a próxima composição. Oito e trinta e dois. "Hoje é dia do chefe comer meu cu com areia", penso eu, de volta à realidade.
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