sexta-feira, 11 de outubro de 2013

O velho e o moço

"Tanto lugar na porra do vagão e essa merda vem sentar bem ao meu lado", foi o primeiro pensamento a passar pela minha cabeça. Se arrastando como um verme ele vem para o banco ao lado do meu e apesar de magro e murcho, como se pesasse meia tonelada, se joga.
Tarde da noite, o que um velho que mal consegue andar faz pelo centro da cidade? Deve estar perdido, ou muito sem rumo, penso eu. Como se fizesse hora extra na vida, ele parece cansado, doente, um zumbi de pele amarela e flácida, cheio de pelos na orelha e veias verdes na mão magra.
Respirando pela boca com um mal hálito nojento de quem não escova os dentes há semanas, ele fica ali como se fosse um móvel no canto da sala. Em vez de mudar de lugar eu só fico praguejando mentalmente e desejando que chegue logo na estação Botafogo. Na estação Cinelândia ele quebra o silêncio.

- Vocé me avisa quando chegar em Botafogo? 
- A moça já avisa no alto falante, mas pode deixar que eu também aviso.
- Brigado, meu filho.

"Não sou teu filho, porra", é a resposta que eu prendo na garganta e continuo calado. E tudo que eu queria era continuar calado, mas o velho queria conversar.

- Como é teu nome, meu filho?
- Lucas. (NÃO SOU TEU FILHO, PORRA).
- Nome bonito, nome de anjo. Eu tenho uma neta da tua idade, o nome dela é Marina.
- Legal (FODA-SE).
- Legal não, porque ela não fala comigo.

E enquanto fala, parece que faz força para a voz ter som, uma voz cansada, tremida, e o hálito podre voando na minha cara. O velho tem um cheiro azedo de quem parece não tomar banho há dias, e de quem não troca de roupa há semanas. 
Glória, Catete, Largo do Machado, o caminho que normalmente se cruza em dez minutos parece levar uma eternidade, e ele ali do meu lado, tremendo, morrendo um pouco mais a cada respiração. De uma hora para outra uma energia cinza toma conta de mim e me entristece a ponto de os olhos marejarem.

- Chegou em Botafogo, senhor.
- É, eu ouvi no alto falante.

E saindo do metrô juntos, o acompanho até a esquina do quarteirão com um nó na garganta. Por algum motivo eu me arrastei na velocidade do velho e esperei o sinal ficar vermelho vendo-o atravessar desejando que alguém o atropelasse para ele enfim descansar.
Então eu chorei umas lágrimas sem saber o motivo. Na verdade eu sabia muito bem o porque e não quis admitir. Aquele velho sou eu. Um dia eu serei aquele velho, quem sabe pior, quem sabe mais fedorento, mais sozinho, com toda certeza. O futuro é flácido e caminha até mim com passo débil,  tremendo as mãos sem coordenação. A gente morre vivendo. A gente morre sozinho. 



Um comentário:

Andressa M. disse...

É, não existe tanta diferença entre viver e morrer, no fim das contas ...
Com a velhice e a decrepitude da casca que a acompanha, isso só se torna inegavelmente evidente .