segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Quase

São Cristóvão, 4h da manhã, e já não se sabe mais se é sábado ou domingo. A garganta queimada, a lata cheia de idéia errada e a carcaça meio cansada, pedindo um chão pra deitar. O ônibus que não passa nunca e eu quase dormindo em pé, eis que chega um doidão.

- Koé, bom.
- Koé.
- Me arruma um cigarro desse ae.
- Pô, parceiro, te arrumo até 3! Peraí.

E conto no maço que só tem mais 4, e estou dando 3 pro doidão já me arrependendo, mas entrego mesmo assim, pois promessa é dívida.

- Tem esqueiro ae, bróder?
- Tem sim, tá tranquilo. Pô, te mandar o papo pa tu de que eu bem ia te assaltar, mas tu é maneiro pa caralho, humildão.
- Ih, mané, tamo junto então.
- Pô, tô com uma pontinha aqui, tá afim de torrar?
- Que isso, já tou indo pra casa.
- Então vai lá, irmão, fé em deus!
- Fé em deus, amigo.

E o doideira vai andando meio torto pra qualquer lugar, com um Marlboro na boca e dois na mão. Ainda levou quase meia hora pro ônibus passar, e eu fiquei ali rindo sozinho, pensando que se tivesse aceitado o convite de torrar um com o doidão a espera ia ser mais divertida. Dessa vez foi quase.

domingo, 20 de outubro de 2013

Bebendo Cigarro/Fumando whisky

Engole no meu beijo
A lábia dos meus lábios
Você pode ser rápida
Mas eu sou mais hábil
Me aperta que eu te aperto
Para esquecer o tédio
É longe, mas tão perto
Veneno é remédio

Mata quem está te matando
Aproveita que está acabando

Bebendo cigarro e fumando whisky
Troco as pernas me sentindo mal
Tudo acontece antes que eu pisque
Esse vazio se tornou tão normal

Molho a garganta para engolir um nó
Pois o caminho de volta é longo e só

Feito um cavalo manco
Eu procuro por prazer
Tentando ser tão franco
Quanto não consigo ser
Eu te encontro e te agarro
Você é só substituta
Eu acendo outro cigarro
Eu sou um filho da puta

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

A voz que grita

Mais um dia fazendo coisas que eu não quero fazer onde eu não quero estar. O piloto automático me trouxe aqui, em algum lugar entre sono e vigília, com a camisa amarrotada abotoada até o pescoço e o tênis desamarrado. Fome, ódio, atraso. O relógio contra mim e eu contra o mundo.
Enquanto o metrô não chega eu cogito me jogar nos trilhos esperando as rodas de ferro esmagarem minha caveira. Todo dia o mesmo impulso, de as pernas quase tomarem vida própria e me fazerem pular. 

Ao mesmo tempo que desejo, penso se minha mãe iria chorar e na grana que faria ela gastar com enterro, penso no tanto de gente que chegaria atrasada no trabalho por minha causa, penso no cara que teria que limpar minha sujeira. Penso no dia em que não conseguirei controlar esse impulso e caia para ser eletrocutado, atropelado e dilacerado. Três mortes em uma só, para garantir que o vaso ruim se quebre de uma vez por todas.
Na minha cabeça grita uma voz dizendo que eu posso morrer do jeito que quiser. Talvez o único poder que a gente tenha sobre a própria vida seja a escolha de como acabar com ela. O cinza mais cinza do que todos os dias, e eu só percebo que o metrô já chegou quando esbarram em mim ao entrar na composição, todo mundo com pressa com assuntos para resolver e contas para pagar, deixando para amanhã tudo que poderiam fazer hoje.
Minhas pernas não respondem, e antes que eu consiga pensar em me mexer as portas se fecham e o metrô vai embora. O buraco entre os trilhos e a plataforma fica aberto mais uma vez. Enquanto eu olho para o abismo, o abismo olha para mim. "É agora, eu vou pular", eu penso, e acendo um cigarro. 
Uma velha gorda briga comigo dizendo que vai chamar o guarda, e eu volto para o planeta Terra, jogando o cigarro aceso nos trilhos sem saber onde minha cabeça foi parar, e logo chega a próxima composição. Oito e trinta e dois. "Hoje é dia do chefe comer meu cu com areia", penso eu, de volta à realidade.


sexta-feira, 11 de outubro de 2013

O velho e o moço

"Tanto lugar na porra do vagão e essa merda vem sentar bem ao meu lado", foi o primeiro pensamento a passar pela minha cabeça. Se arrastando como um verme ele vem para o banco ao lado do meu e apesar de magro e murcho, como se pesasse meia tonelada, se joga.
Tarde da noite, o que um velho que mal consegue andar faz pelo centro da cidade? Deve estar perdido, ou muito sem rumo, penso eu. Como se fizesse hora extra na vida, ele parece cansado, doente, um zumbi de pele amarela e flácida, cheio de pelos na orelha e veias verdes na mão magra.
Respirando pela boca com um mal hálito nojento de quem não escova os dentes há semanas, ele fica ali como se fosse um móvel no canto da sala. Em vez de mudar de lugar eu só fico praguejando mentalmente e desejando que chegue logo na estação Botafogo. Na estação Cinelândia ele quebra o silêncio.

- Vocé me avisa quando chegar em Botafogo? 
- A moça já avisa no alto falante, mas pode deixar que eu também aviso.
- Brigado, meu filho.

"Não sou teu filho, porra", é a resposta que eu prendo na garganta e continuo calado. E tudo que eu queria era continuar calado, mas o velho queria conversar.

- Como é teu nome, meu filho?
- Lucas. (NÃO SOU TEU FILHO, PORRA).
- Nome bonito, nome de anjo. Eu tenho uma neta da tua idade, o nome dela é Marina.
- Legal (FODA-SE).
- Legal não, porque ela não fala comigo.

E enquanto fala, parece que faz força para a voz ter som, uma voz cansada, tremida, e o hálito podre voando na minha cara. O velho tem um cheiro azedo de quem parece não tomar banho há dias, e de quem não troca de roupa há semanas. 
Glória, Catete, Largo do Machado, o caminho que normalmente se cruza em dez minutos parece levar uma eternidade, e ele ali do meu lado, tremendo, morrendo um pouco mais a cada respiração. De uma hora para outra uma energia cinza toma conta de mim e me entristece a ponto de os olhos marejarem.

- Chegou em Botafogo, senhor.
- É, eu ouvi no alto falante.

E saindo do metrô juntos, o acompanho até a esquina do quarteirão com um nó na garganta. Por algum motivo eu me arrastei na velocidade do velho e esperei o sinal ficar vermelho vendo-o atravessar desejando que alguém o atropelasse para ele enfim descansar.
Então eu chorei umas lágrimas sem saber o motivo. Na verdade eu sabia muito bem o porque e não quis admitir. Aquele velho sou eu. Um dia eu serei aquele velho, quem sabe pior, quem sabe mais fedorento, mais sozinho, com toda certeza. O futuro é flácido e caminha até mim com passo débil,  tremendo as mãos sem coordenação. A gente morre vivendo. A gente morre sozinho. 



terça-feira, 8 de outubro de 2013

Prato do dia


Café da manhã, almoço, lanche, janta.

domingo, 6 de outubro de 2013

Nossa Cama

Nossa cama tem o dengo de 10 crianças mimadas
Nossa cama tem a preguiça de mil baianos
Nossa cama descansa

Nossa cama tem a fome de metade da África
Nossa cama tem a urgência de um CTI
Nossa cama transborda

Nossa cama tem chuva para um ano inteiro
Nossa cama tem sol para uma vida
Nossa cama queima

Nossa cama tem você
Nossa cama tem eu
Nossa cama tem o amor de dois

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Vermelho sangue

Eu olho com um sorriso sua arcada dentária marcada em mim. Como se fosse loba, me comeu e comeu meu coração. Que é seu e só seu. O cheiro das velas e dos cigarros se misturando com o nosso, tudo se tornando uma coisa só. As pétalas no chão se misturando com as nossas roupas jogadas, nossa bagunça tão urgente que faz o quarto se tornar um caos. Caos mais lindo que os olhos podem presenciar, caos que fica maior e mais intenso a cada encontro. Isso não é coisa desse mundo, você, eu, nós dois, um só. 

Seus cabelos pelo nosso rosto, escondendo o nosso beijo do mundo inteiro, porque é só nosso, porque a gente se pertence, desse jeito estranho que vai além da matéria, jeito egoísta, que chega a doer na carne e pesar os pulmões. Sinestesia. Eu farejando o cheiro do teu sexo me torno tão lobo quanto você. Chega a ser violento de tão intenso, a gente literalmente se come. E se morde, se arranha, se engole, se ama...

Minha rainha, minha puta, minha donzela, meu amor. A carne na minha boca e você se tremendo inteira, eu quero você transbordando na minha cara todos os dias pro resto da minha vida, quero sua mão na minha e sua cabeça descansando no meu peito, no nosso abraço que tem o encaixe perfeito, no nosso mundo particular onde o mundo real desaparece e só existe êxtase.

Enquanto você tem medo de se entregar eu já estou entregue e vulnerável, e só me encontro me perdendo em você, meio sem rumo, meio sem escolha. O tempo que normalmente rasteja como um verme, voa como um boing 737 fazendo a ponte aérea quando estamos juntos. E a inevitável hora da partida, parece que ainda vai nos fazer chorar por algum tempo. O que sobra é tanta angústia, tanto cinza...as vezes fico me perguntando se você vai me esperar, fazendo o bem me quer, mal me quer sem flor nenhuma, comendo os chocolates de coração que você me deu...

"Esse amor é cósmico." E eu fico aqui sozinho esperando que os planetas se alinhem de novo para que estejamos ao alcance do abraço e o nosso mundo entre em órbita mais uma vez. É sujo porém belo, e dentro de tanto egoísmo, eu não tenho nenhum remorso de querer você inteira só pra mim, da mesma forma que não tens. Ninguém nunca vai te amar como eu te amo. E acho que do jeito que você me ama, ninguém nunca vai me amar. Nosso amor é vermelho. Vermelho sangue.