segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Moreno Sereno

Enquanto o mundo acaba eu permaneço sereno
Limpando as feridas em meu corpo moreno
Às vezes demônio, às vezes ingênuo
O eterno retorno não me trouxe nada

Morrendo engasgado em fumaça e veneno
Um dia tão grande, hoje, tão pequeno
Fazendo as malas e andando em terreno
Há muito não explorado

Meio acabado, mas ainda assim, pleno
Semblante de vida, quase obsceno
Fazendo as malas, um último aceno
Somente a estrada não tem fim

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Veneno

Todo mundo precisa de alguém. Alguém para lamber suas feridas. Alguém para te abraçar e te trazer segurança. Alguém para que nem que seja por um pouco, faça a dor ir embora e preencher o vazio. Em algum momento, todo mundo encontra alguém, ou acha que encontrou. Por uns momentos, seja semanas, meses ou anos, até que funciona. Mas com o tempo o cérebro e o corpo se tornam tolerantes a qualquer droga que não mate de primeira. A gente morre devagar só por estar vivo. E cedo ou tarde, toda droga cobra com juros aquilo que já te deu onda ou segurou sua onda. 
Em que você pensa quando o vazio toma conta? Como você sai dessa quando você mesmo já se tornou isso? A gente gosta é de veneno. Uma carreira, um trago, uma pílula, uma garrafa, alguém. A gente vive procurando a salvação. Essa porra vicia, sonhar vicia. E vai mais uma dose, manda mais um teco, fuma mais um maço, engole mais um comprimido, tentando fechar esse buraco que nunca fecha, buraco da alma. Os dias são todos iguais, entre uma rebordosa e outra, nós mesmos acabamos virando uma droga, um veneno, tóxicos. Para nós mesmos, para os outros. 
A busca da cura para todo mal é o caminho da perdição. Em todos os níveis, de qualquer jeito. E depois de tanta brisa, a gente muda, o mundo muda, as pessoas mudam, é o efeito do tempo: erosão. E a gente se esconde dentro de qualquer garrafa, qualquer coisa que faça esquecer que somos nós mesmos, que traga algum alívio passageiro. Dizem por ai que tudo em excesso faz mal, mesmo se for bom. E somos tão pequenos que fazemos o que é bom se tornar mal, o bonito ficar feio, o feliz entristecer. O ser humano é tão pequeno que destrói até o amor. Ou será o amor algo com data de validade?
Dia cinza, pulmão preto, rosto pálido. Que coisa no mundo será capaz de preencher o seu vazio? A gente acha que tem a resposta na ponta da língua, mas nunca fica satisfeito com nada, quanto mais tem, mais quer, é o excesso, é a destruição, o lado mais bobo da humanidade, estopim de guerras e ruínas. É preciso transcender para superar. Veneno para transcender. Veneno que é remédio, pra dormir, pra acordar, pra dar onda ou pra segurar a onda, parece que não somos capazes de caminhar com as próprias pernas, por medo ou só por preguiça. 
Madrugada boa pra dar um passeio. Daqueles em que a gente sai de casa sem querer voltar, daqueles em que a gente sente que talvez nossa casa não seja mais nosso lar. Desejando encontrar amor, encontrar a paz, encontrar a si mesmo. Mas só um passeio. Pra tomar um ar, pra ver se o vento leva pra qualquer canto bom, que saco vazio não para em pé. Qualquer lugar é destino. Consciências limpas como banheiro público, leves como bala de canhão. Já que a gente não anda, que o vento nos sopre. Como penas de pombo. Cada um de nós, uma revoada. Para o lugar mais bonito que se puder chegar e purificar cada impureza do âmago. E que não transformemos esse lugar em mais uma droga pra alma. 
















Boa sorte pra todo mundo.

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Entremeio ou Delírio de lagarta em casulo

O trabalhador sai e ainda nem tem Sol no céu, ônibus lotado, Avenida Brasil. "Todo mundo junto se sentindo só, no peito um aperto, na garganta um nó". Os vagabundos já enjoaram da noite (que horas atrás era só uma criança) e começam a caçar o caminho de casa ou qualquer canto pra cair. A mãe preta varre o terreiro, daqui a pouco o galo vai cantar, bom dia, levanta pra cuspir com a glória de Ogum. Todo mundo indo para algum lugar, cada um com seu destino, cada um, um desatino. 

Entremeio,
Descompasso,
Peito cheio,
Um abraço.

Pra quem quiser um abraço.

Enquanto o mundo gira, eu continuo aqui, enquanto o mundo é mundo, eu sou só isso. Ou nada. Calor carioca, tem gente que é mar. Tem gente que é represa, tem gente que nem gente é. E eu continuo aqui. Vendo as paredes do quarto, enclausurado, me sentindo um cachorro com a boca espumando, tanta vida no meu peito, mas parece que não é para mim.

Faz falta uma ponta, um carinho, uma dose,
Qualquer coisa pra acabar com essa psicose.

De segunda a segunda, cada dia é uma briga, daquelas brigas já tão velhas que nem se sabe mais qual é o motivo, mas se briga mesmo assim. Levantar, deitar, e entre isso, só o dia, mais um dia, uma noite, tanto faz. Entre uma ressaca e outra, entre uma lágrima e outra, bêbado de poder ou de ilusão? Vivendo por amor ou por amor à decepção? Todo poeta é mentiroso, mas quem se diz poeta será poeta mesmo? Quem disse que as suas ou minhas palavras prestam pra qualquer coisa? Todo poeta merece morrer. Um gole de arrogância, que cachaça hoje, não tem. Vez ou outra, todo mundo vomita a verdade. Quando vomita a alma.

Eu sou puro ou não sou?
Tremedeira outra vez,
O problema é comigo,
Ou é com vocês?

Cada um com seus problemas, seus demônios, suas crenças. Já acreditei tanto que não acredito mais. Nem em mim, às vezes. Príncipe do lixo, trono de entulho, coroa de espinhos, minha coroa não vê a hora de eu ir embora, e eu nem vejo também. Eu já perdi o bonde ou a banda já passou? O homem esconde seus delírios ou os delírios se escondem do homem? Tem gente que dá medo, tem gente que tem medo, tem gente que é gente, tem gente que nem é. Nada. 

Daqui a pouco nasce o Sol, e eu continuo aqui. 

Bom dia?

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Monstra

Ela é a mulher dos seus sonhos
E dos seus pesadelos 
Ela tem o saco cheio
E o ego também

Salto 44, busto 46, Compaixão zero
Mais destrutiva que tiro de espingarda
Ela vai comer teu coração com farinha

Farinha
Na venta
Farinha
Do mesmo saco
Cheio

Cuidado com o canto da sereia
Te distrai, te atrai
Te destrói, te trai
Você vai morrer na praia 
Tentando matar sede
Com água salgada

Em suas veias o que corre é vinho
Ela ganha o que quiser com um sorrisinho
Se liga, não existe casalzinho
A gente é feito para morrer sozinho

Fria como bronze, não tem coração
Pose de esfinge, chamando atenção
Olhos de serpente, lingua de navalha
Ela gosta mesmo é de canalha

Calafrio
Calaquente
Calaboca
Cola quente

Pra colar os cacos
Do que sobrar de você

terça-feira, 6 de outubro de 2015

Ouroboros Bêbado

As pessoas sempre se perguntam qual é o sentido da vida. Mas qual o sentido da morte? Parece que em meio ao ego e suas próprias vontades se esquecem que um dia a vida termina, que tudo que começa, uma hora acaba. E as vezes (quase sempre) os sonhos ficam para trás ou apenas deixam de ser sonhos para se tornar desistência. Como aquela vontade de parar de fumar na segunda-feira, mas continuar fumando. Nós e e as coisas nascemos pra morrer ou morremos só porque já duramos tempo demais? Quem decide a data de validade? Deus e o Diabo sabem a resposta, eu só sei perguntar. A gente trilha caminhos e aprende, conquista, perde, cresce, ri, chora, vive toda uma jornada, para então deixar tudo pra trás. 
Como o vinho que vira vinagre, o celular que deixa de funcionar com muito uso, o amor que vai desbotando até desaparecer. As coisas se renovam por meio da destruição. Desse jeito meio cruel, a gente vai perdendo tudo que conquista e que mais ama, ou as vezes só se desfaz, só deixa de amar. Em um piscar de olhos ou em uma vida inteira. Para no fim das contas, abandonar até o próprio corpo, se entregar aos vermes e se tornar nada. Do pó ao pó. Lei inexorável, malévola. 
Eu fico parado assistindo tudo ruir sem conseguir sequer esboçar reação ou resolver qualquer problema. Será um tempo de destruição ou de construção? De um jeito ou de outro, é doloroso, tem machucado muito. E eu, ainda tão novo, sinto que tenho muito mais anos do que realmente tenho. Na garganta, fica presa essa vontade de gritar, como se fosse um pigarro. No peito, essa angústia constante que não me deixa descansar, essa vontade de sumir e começar tudo do zero, ao mesmo tempo apegado a tudo que eu já tenho, ou nem tenho mais e só acho que tenho. E ainda assim, a certeza e a preguiça de imaginar que mesmo que tudo se renove, cedo ou tarde se tornará velho, cansado, obsoleto. 
Eu só queria poder parar e descansar.
O moribundo jaz deitado suando na cama, olhando para o teto e dando seus últimos suspiros, vendo a vida passar como um filme diante de seus olhos. Quantas vidas a gente vive em uma vida só? Quantas vezes a gente precisa morrer para enfim descansar? O moribundo já fez bem para as pessoas e já fez mal também. O moribundo já amou e já odiou. O moribundo hoje é só um moribundo, esperando pela sua hora como as pessoas que esperam na sala de espera do dentista. O melhor que a gente pode fazer pelo morribundo é dar carinho para ele enquanto ele ainda vive (ou morre). Que depois disso será apenas uma lembrança. Até cair no esquecimento. 
Tudo que envelhece se renova. Mas tudo que se renova, envelhece. O fim é o começo. O fim não tem fim.