quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Veneno

Todo mundo precisa de alguém. Alguém para lamber suas feridas. Alguém para te abraçar e te trazer segurança. Alguém para que nem que seja por um pouco, faça a dor ir embora e preencher o vazio. Em algum momento, todo mundo encontra alguém, ou acha que encontrou. Por uns momentos, seja semanas, meses ou anos, até que funciona. Mas com o tempo o cérebro e o corpo se tornam tolerantes a qualquer droga que não mate de primeira. A gente morre devagar só por estar vivo. E cedo ou tarde, toda droga cobra com juros aquilo que já te deu onda ou segurou sua onda. 
Em que você pensa quando o vazio toma conta? Como você sai dessa quando você mesmo já se tornou isso? A gente gosta é de veneno. Uma carreira, um trago, uma pílula, uma garrafa, alguém. A gente vive procurando a salvação. Essa porra vicia, sonhar vicia. E vai mais uma dose, manda mais um teco, fuma mais um maço, engole mais um comprimido, tentando fechar esse buraco que nunca fecha, buraco da alma. Os dias são todos iguais, entre uma rebordosa e outra, nós mesmos acabamos virando uma droga, um veneno, tóxicos. Para nós mesmos, para os outros. 
A busca da cura para todo mal é o caminho da perdição. Em todos os níveis, de qualquer jeito. E depois de tanta brisa, a gente muda, o mundo muda, as pessoas mudam, é o efeito do tempo: erosão. E a gente se esconde dentro de qualquer garrafa, qualquer coisa que faça esquecer que somos nós mesmos, que traga algum alívio passageiro. Dizem por ai que tudo em excesso faz mal, mesmo se for bom. E somos tão pequenos que fazemos o que é bom se tornar mal, o bonito ficar feio, o feliz entristecer. O ser humano é tão pequeno que destrói até o amor. Ou será o amor algo com data de validade?
Dia cinza, pulmão preto, rosto pálido. Que coisa no mundo será capaz de preencher o seu vazio? A gente acha que tem a resposta na ponta da língua, mas nunca fica satisfeito com nada, quanto mais tem, mais quer, é o excesso, é a destruição, o lado mais bobo da humanidade, estopim de guerras e ruínas. É preciso transcender para superar. Veneno para transcender. Veneno que é remédio, pra dormir, pra acordar, pra dar onda ou pra segurar a onda, parece que não somos capazes de caminhar com as próprias pernas, por medo ou só por preguiça. 
Madrugada boa pra dar um passeio. Daqueles em que a gente sai de casa sem querer voltar, daqueles em que a gente sente que talvez nossa casa não seja mais nosso lar. Desejando encontrar amor, encontrar a paz, encontrar a si mesmo. Mas só um passeio. Pra tomar um ar, pra ver se o vento leva pra qualquer canto bom, que saco vazio não para em pé. Qualquer lugar é destino. Consciências limpas como banheiro público, leves como bala de canhão. Já que a gente não anda, que o vento nos sopre. Como penas de pombo. Cada um de nós, uma revoada. Para o lugar mais bonito que se puder chegar e purificar cada impureza do âmago. E que não transformemos esse lugar em mais uma droga pra alma. 
















Boa sorte pra todo mundo.

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