domingo, 6 de fevereiro de 2011


Entre tropeços pelo asfalto mal pavimentado, vandalismos leves e conversas de bêbado, chega-se à única conclusão da noite que faz algum sentido: A SELVA É SELVAGEM.Percebendo que a vida é uma analogia porca de si mesma, decido continuar o resto da noite sozinho como sempre fui, como sempre foi.Bêbado o suficiente para não me lembrar qual a diferença entre selva e floresta, me imagino uma raposa.

Raposa solitária, que mora na metade da montanha, mas não é apenas uma montanha, é a montanha mais alta do mundo, mais inóspita, mais gelada.Raposa sem matilha, raposa sem escrúpulos, raposa sem coração, que mora em uma fenda na pedra e lá se aloja até que precise de algo, saindo então para matar e destruir qualquer sinal de vida que encontrar em seu caminho.

Raposa esta que não se arrisca, que não petisca, que não sorri.Restos de carne entre os dentes, manchas de sangue no pelo fosco, a fenda na pedra se torna uma extensão de seus próprios pensamentos e desejos.Escuro e seguro, gelado e sozinho, não tem lugar para mais de um.

E os anos vão passando e a raposa vai envelhecendo e fica cada vez mais difícil se esconder e se alimentar, e a cada minuto que passa fora de sua toca a raposa se torna presa fácil para qualquer faminto ou odioso, e então agora a raposa que se encontra no caminho dos outros e não o oposto.A cada dia que acorda a raposa sabe que pode ser seu último, a cada refeição, sente que poderia ter comido mais.

E desde o início o fim vem se aproximando como um trem, gigante e infinito, e tudo que foi feito não terá a mínima importância, e tudo que não foi feito deixa um peso de uma tonelada na consciência da raposa, no fim das contas só sobra remorso e solidão.Aceitação dos fatos faz parte da vida.E a raposa senta e aguarda por algo que sequer imagina o que é.

Na metade da montanha mais inóspita e mais gelada, a raposa observa a névoa e ouve o vento soprar uma canção de despedida.
Do chão não passa.Se a raposa não quebrar o chão, o chão a quebra.E tão pesada quanto a gravidade a raposa voa até que se choque contra o solo.As raposas não tem escrúpulos, as raposas não tem coração.