segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Tango

A mancha de mofo na parede do meu quarto olha pra mim. Já me viu sorrir, chorar, já me viu de preguiça e com pressa, já me viu fazer sacanagem acompanhado, sozinho. Hoje, estou sozinho. Ontem, anteontem, já faz um tempo. Sem sacanagem nem prazer, sem sorriso e sem nem nada pra distrair. Cabeça vazia é oficina do diabo, diz o ditado. E o diabo impera. Em cada pelinho do meu corpo, em cada pinta, no meu pinto. Diabo cinza, pobre diabo. Vagando na vida como um fantasma, um cachorro sem dono procurando farelo em porta de bar. Sobrevivendo a cada dia com alguns arranhões, fraturas expostas e fraturas bem escondidas, mas nunca curadas, de fato. Dizem por aí que a gente faz o próprio destino, e acho que nem tenho feito nada. Então não pode reclamar. Mas também tá foda sair do lugar. Grilhões invisíveis pelos pés, pelas mãos, o próprio corpo já virou prisão. As coisas todas perdendo o sentido como quando eu tiro meus óculos e meus olhos míopes enxergam tudo embaçado, meio sem forma, sem distinção de detalhe nem poesia, só borrões. Que que se faz com tanta solidão? Deveria ser possível transformar as coisas feias e adversidades em coisas bonitas e caminhos, mas em algum ponto eu me perdi. Em algum ponto, eu perdi. Tava dançando tango com a vida. E parece que agora, dancei. 

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