sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Alterego

Chego sem ser chamado e me instalo (porque às vezes você grita por mim sem dizer sequer uma palavra) . Venho como navalhas querendo dominar o mundo, salvar os navios que estão afundando e afundar meu cavalo. No dia seguinte quem vai acordar com dor de cabeça e gosto de cinzeiro na boca é você e eu já estarei longe. Você me deixou sair e agora a gente divide as noites dessa festa sem fim que você resolveu criar. Tomaremos a saideira até o dia em que algum motorista não conseguir frear a tempo e te atropelem de verdade ou te matem na volta pra casa. Quanta birra, quanta marra! Eu sei que tem vez que você sai de casa duvidando sobre o retorno. Às vezes eu penso que você não vai aguentar por muito tempo, mas aí você vai e me mostra que vaso ruim é quase imortal e eu entendo e reafirmo o porque de ter te escolhido. Meu paladar prefere gente de alma torta, e é por isso que eu gosto tanto de você. 

Sou choroso, dou gargalhadas, bebo como uma esponja, fumo como uma chaminé, minhas cantadas baratas funcionam e eu sempre te levo pro lugar certo como um míssil teleguiado, eu sou o filho da puta que mora em você. Gosto muito de você, criança. A gente chora mas também se diverte bastante. Eu amo a carne, eu amo a vida, amo a festa e adoro o caos. Preferimos as chaves de cadeia e as sarna pra se coçar, um problema a mais é sempre bem vindo. Não gosto de chamar atenção mas adoro provocar.  Você também anda bem inspirado seguindo o Martinho da Vila do seu jeito meio entortado (cores, idades, amores, sabores). Samba, eu gosto de samba! Mas não sei sambar, prefiro observar, temos isso em comum. Gosto de beber, mas prefiro mesmo é um bom Marlboro, e de uns tempos pra cá tenho adorado o cheiro do teu remédio pro glaucoma, mas me deixa com preguiça. Já esses outros venenos, eu não aprovo não. Não gosto de chegar e encontrar a casa desse jeito, toda bagunçada, revirada, esse trabalho é meu, e eu faço com algum charme, algum glamour. Já meu concorrente só te destrói gratuitamente e você só me pega de mau humor. 

O cheiro de álcool e substâncias me atrai, eu vou aparecer quando você nem imaginar, ou quando você mais precisar, nunca vou te deixar na mão, nem você a mim. Venho quando você fica à flor da pele, apareço na tua embriaguez para curar seu defeito (ou agravá-lo ao cubo). Bode expiatório, herói; eu sou você, você sou eu, como unha e carne, até o fim! E quando você sabe que basta mais uma única dose para que eu venha para a festa essa dose fica ainda mais gostosa. Ou mais amarga. Mas você sempre bebe, porque lá no fundo você me adora e adora ir aonde eu te levo. E quando você sente que eu estou chegando, tudo muda para o paraíso ou o inferno em um piscar de olhos, e qualquer calmaria vira tempestade. Tem dias em que é ótimo sair na chuva e se molhar e deixar gente molhada. Tem dias em que eu te levo pro fundo do bueiro e parafuso a tampa para que você se lembre que é só um homenzinho e baixe essa bola. Você sabe que eu adoro essa merda. E eu sei que você também adora. Hoje é sexta feira e ainda é hora do almoço, mas você já acordou pensando em mim. Pode deixar que mais tarde eu apareço e te levo pra dar um passeio, você cuida só de fazer a gente ir e voltar. 





Com algum carinho, 

J. 

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